Prof. Dr. Edgar Indalecio Smaniotto
Em 2011 ocorreu uma série de protestos em diversos países árabes que receberam a denominação geral de “Primavera Árabe”. Eric Hobsbawm, historiador marxista declarou que “foi uma grande alegria redescobrir que é possível que as pessoas saiam às ruas para se manifestar e derrubar governos[i]“. O geopolítico brasileiro Demétrio Martinelli Magnoli mostrou-se entusiasmado com a “Primavera Árabe”, afirmando que estes povos querem o mesmo que os ocidentais “direitos, democracia e liberdade”[ii]. Mas os resultados efetivos da “Primavera Árabe” não geraram uma onda de governos democráticos (a Tunísia, epicentro do movimento, pode ser a única exceção). Mesmo não tendo alcançado a tão sonhada democracia de moldes ocidentais nos países árabes, “A Primavera Árabe” modificou significativamente a correlação de forças entre os países da região. Neste texto, buscamos em uma breve análise, compreender a atual correlação de forças no Oriente Médio.
A Líbia, que era um player significativo na geopolítica africana e árabe, foi completamente destruída após uma guerra civil iniciada em 2011 na qual o país foi bombardeado intensamente pelas forças da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Apenas está intervenção, que foi efetivada devido a extrapolação indevida da zona de exclusão aérea aprovada pela ONU, como atesta Paulo Cordeiro, subsecretário do Ministério das Relações Exteriores do Brasil para a África e o Oriente Médio: “A zona de exclusão aérea foi transformada numa campanha de bombardeio de seis meses que foi uma mudança no espírito da resolução”[iii], possibilitou a queda de Muammar Gaddafi. No vácuo político pós-Kadaffi, a Líbia sucumbiu as divisões tribais e está longe de se consolidar novamente como um estado nacional.
No Egito a queda de Hosni Mubaraki presidente desde 1981 teve como efeito a eleição 23 de junho de 2012, Mohamed Morsi, candidato da Irmandade Islâmica, não agradando nem a vizinha Arábia Saudita e nem os Estados Unidos. Um novo golpe recolocou os militares no poder, e eleições realizadas em 2013 tiveram como vencedor o ex-Ministro da Defesa egípcio Abdel Fattah el-Sisi. Na esfera geopolítica o Egito é de suma importância para a estabilidade da região, por ser um dos únicos países árabes a ter boas relações diplomáticas com Israel.
A Síria por sua vez se colapsou após os protestos de 2011 contra o governo de Bashar al-Assad, que não teve o mesmo destino de Gadaffi, graças em grande parte a intervenção de Moscou. A política ativa de Putin, tanto impediu uma intervenção direta dos EUA e seus aliados europeus na região, como contrabalançou o poder de grupos insurgentes sírios (financiados por Arábia Saudita e Quatar), ajudando com equipamentos o governo de Assad. Posteriormente, com o avanço do grupo terrorista Estado Islâmico, a Rússia interveio diretamente bombardeando posições do grupo em território sírio. Atualmente o Estado Islâmico foi vencido e o governo Sírio de Assad retomou boa parte de seu território.
Única nação mulçumana de maioria xiita o Irã é o maior inimigo da monarquia saudita na região, e tem a pretensão de possuir armas nucleares, o que torna o país alvo constante da ameaça militar de Washington, que possui bases militares em praticamente todas as nações vizinhas ao Irã. Apesar do discurso predominante na imprensa ocidental sobre a ameaça iraniana, é interessante salientar, como afirma Diniz (2008) que os iranianos investem sobretudo em armamento para uso de defesa.
A Arábia Saudita, nação em que se predomina uma monarquia absolutista de orientação Wahhabista, uma leitura dogmática e simplista do islã (ROCHE, 2011) que teve origem no livro “Pelo culto do Deus único” escrito por Muhammad Abdel Wahhab (1703-1792). Atualmente “o wahhabismo é tido, na Arábia Saudita, como a aplicação estrita e correta do Alcorão” (ROCHE, 2001, p. 7). Principal aliada militar dos EUA na região, conta com o apoio irrestrito e proteção da poderosa máquina militar americana instalada em diversas bases em seu território. Tem no Irã seu principal inimigo, financia grupos armados na Síria, ocupou o Bahrein para impedir uma mudança de governo após a primavera árabe, ataca sistematicamente rebeldes no Iêmen, e atualmente mantém sob ameaça o Qatar.
Por fim Israel é a única potência nuclear da região, além de ser uma democracia nos moldes ocidentais e um país que investe e produz inovação tecnológica. Sendo o único estado judeu do mundo, sua principal preocupação é garantir sua continuidade como nação e lar dos judeus, em uma região predominantemente mulçumana. Apesar de possuir armas nucleares, como atesta Eugenio Diniz (2008) seu diminuto território torna estas armas um último recurso, pois não poderia resistir a um contra-ataque nuclear. Pode-se concluir que a primavera árabe teve como principal consequência geopolítica retirar de cena dois importantes players da região (Líbia e Síria), cuja a guerra civil na última gerou um maior embate entre Irã e Arábia Saudita; ao mesmo tempo em que a Turquia reorientava seus interesses para a região e a Rússia, com a intervenção na Síria voltou a confrontar a hegemonia americana ao intervir na Síria, e atualmente na Ucrânia.
Referências Bibliográficas:
COSCELLI, João; CHACRA, Gustavo; RAATZ; Luiz. A revolução que abalou o Oriente Médio [Infográfco]. 27 Janeiro 2011. Disponível em: http://www.estadao.com.br/infograficos/internacional,a-revolucao-que-abalou-o-oriente-medio,234733.
DINIZ, Eugênio. Distribuição de Poder no Oriente Médio: Caracterização e Possibilodades de Transformação. In: Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – II CNPEPI: (2 : Rio de Janeiro : 2007): o Brasil no mundo que vem aí. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. p. 203-236.
ROCHE, Alexandre A. E. A primavera do Mundo Árabe-Sunita: O islã árabe-sunita entre o wahhabismo conservador e o espírito crítico, entre a política do petróleo e a independência econômica. Revista Conjuntura Austral, Vol. 2, nº. 7, Ago.Set 2011.
[i] WHITEHEAD, Andrew. Revoluções de 2011 ‘me lembram 1848’, diz Hobsbawm. 31 dezembro 2011. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/12/111231_hobsbawn_2011_1848_revolucoes_mm.shtml.
[ii] PRIMAVERA ÁRABE (Especial TV Cultura). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KOm-2JhmbnI. Acesso: 18/08/2017.
[iii] GRUDGINGS, Stuart. Agitação no Oriente Médio testa diplomacia brasileira. 01 Setembro 2011. Dispoivel em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,analise-agitacao-no-oriente-medio-testa-diplomacia-brasileira,767180.
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